Em 2005, Stephenie Meyer, uma dona de casa mórmon de 31 anos do Arizona, dividia seu tempo entre ouvir a banda My Chemical Romance e escrever sobre vampiros que se apaixonavam por humanos. O resultado foi “Crepúsculo”, romance que transformaria uma fantasia adolescente em um fenômeno global.
A história em que chupadores de sangue brilhavam ao sol, e adolescentes comuns se contorciam diante de amores impossíveis, virou febre entre jovens millennials e, mais tarde, seria reinterpretada pela geração Z.
No embalo do aquecimento da literatura jovem impulsionada por “Harry Potter” e “Percy Jackson”, “Crepúsculo” chegou ao topo da lista de mais vendidos do jornal The New York Times.
No centro da trama está o romance entre Bella Swan e Edward Cullen. Ela se muda para a pequena cidade de Forks onde conhece o instigante vampiro de mais de cem anos. Nos livros posteriores, ele se recusa a consumar o relacionamento antes do casamento. Enquanto isso, a humana insiste em ultrapassar os limites.
A saga literária composta por “Crepúsculo” (2005), “Lua Nova” (2006), “Eclipse” (2007) e “Amanhecer” (2008) vendeu mais de 160 milhões de exemplares no mundo, sendo 7 milhões no Brasil. Inspirou comunidades, coleções e fanfics que ganhariam vida própria, como “Cinquenta Tons de Cinza”, inspirada na relação do casal principal.
Mas junto das vendas, a obra se tornou um dos fenômenos mais criticados dos anos 2000, o que não deixava de ter um viés de gênero evidente. Histórias criadas e consumidas por mulheres jovens raramente eram levadas a sério, e “Crepúsculo” acabou virando alvo dessa desconfiança.
Hoje, resenhas da obra apontam para os excessivos sinais de exaltação à moralidade e conservadorismo presentes nas páginas da saga. A autora é membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Em “Crepúsculo”, o casamento é o limite moral, e a pureza é recompensada com a eternidade. Edward e Bella vivem uma relação em que a tensão sexual é constante, mas reprimida. O vampiro que se abstém de sangue é também o homem que se abstém da carne.
Esse subtexto, que ficou mais evidente com o tempo, contrasta com a leitura apaixonada que marcou o lançamento. “O que me fascinava era a ideia de que alguém podia amar tanto uma pessoa que literalmente deixava de existir sem ela”, diz a designer Miriam Cunha, 27, que tinha 14 anos quando leu a obra pela primeira vez. “Hoje, eu leio e rio um pouco. Mas ainda me vejo ali, na breguice da Bella.”
Aos poucos, a distância geracional transformou a saga em símbolo pop ressignificado. O melodrama intenso e a prosa carregada, que antes eram levados a sério, passaram a ser apreciados justamente pelo exagero.
“Hoje, vejo que Edward é um pouco controlador, mas continuo amando o livro porque ele é ‘camp'”, diz Julia Moraes, que nasceu no ano da publicação, e faz parte da nova geração de fãs.
O termo camp descreve obras que encantam pelo excesso e pela artificialidade. Em “Crepúsculo”, isso se traduz nas longas descrições da chuva em Forks, nas metáforas dramáticas e nas declarações que beiram o sagrado.
“Eu sempre amei você, e eu sempre amarei”, diz Edward. “Quando eu te disse que não te queria, aquele foi o tipo mais negro de blasfêmia.”
Para muitos leitores, essa intensidade virou justamente o charme. “Rir de ‘Crepúsculo’ é uma forma de continuar amando”, diz a professora Luiza Victorio, 34, que voltou a ler a série durante a pandemia. “Agora eu vejo as metáforas religiosas, a visão conservadora sobre sexo e gênero, mas continuo me emocionando com o jeito que Meyer descreve o primeiro amor.”
A reavaliação da série literária acompanha uma tendência de recuperar produtos antes vistos como menores e tratá-los como registros do seu tempo. Afinal, “Crepúsculo” não deixa de ser o reflexo de um tipo de narrativa marcante nos anos 2000 -com personagens introspectivos, tensão entre moralidade e desejo e uma visão idealizada do amor.
A pré-venda do relançamento vendeu 8.000 exemplares no Brasil, e “Sol da Meia-Noite” (2020), que reconta a história do ponto de vista de Edward, devolveu Stephenie Meyer às listas de best-sellers.
Mesmo o elenco da adaptação aos cinemas parece ter abraçado o legado irônico. Kristen Stewart se tornou uma das atrizes de sua geração mais elogiadas da década, e Robert Pattinson, depois de anos rejeitando o papel de Edward, voltou a tratar da saga com leveza: “Não é mais legal falar mal de ‘Crepúsculo'”, disse o ator.
Nas redes, fãs organizam maratonas, recriam pôsteres e compartilham memes dos livros e filmes.
De símbolo de romance juvenil a ícone do melodrama, novos fãs escrevem suas fanfics com músicas que passam a vibe de Forks nos fones.


